Agência Senado – Que cenário, em termos de contratações públicas, o Congresso espera obter com a nova Lei de Licitações?
Anastasia – O Congresso avançou muito nesse tema das licitações e dos contratos administrativos. A legislação atual, de 1993, foi muito retalhada ao longo dos últimos anos e sofreu alterações. Não houve consolidação, e o seu corpo principal já está de fato ultrapassado diante das necessidades tecnológicas, das novas formas de comprar, do uso da tecnologia. Então era muito importante nós aprovarmos essa lei, que estava tramitando há alguns anos. Felizmente o Congresso apresentou esse instrumento legal, que vai possibilitar aos governos federal, dos estados e dos municípios uma nova realidade em termos de contratação e de licitações. Acho que avançaremos, tornando menos burocrático, mais flexível, mais ligeiro, mais célere, mais racional e sobretudo mais econômico o processo de contratações. E, é claro, sempre com mais transparência, como foi o grande objetivo da lei recém-aprovada.
Em que medida as leis revogadas pela nova Lei de Licitações tinham envelhecido e que problemas estavam causando, por exemplo, em termos de atraso nas contratações, preço e qualidade das obras, compras e serviços?
Na realidade, a lei, quando foi concebida, em 1993, preocupou-se muito mais com a questão formal, procedimental, do que com os resultados da licitação, com o resultado a ser entregue ao cidadão. O cidadão muitas vezes não percebe, ele não sabe, mas ele é muito atingido por essa lei da licitação, porque tudo aquilo que ele recebe do poder público por meio de insumos, como, por exemplo, serviços de ônibus, energia elétrica, serviços relativos ao fornecimento e à entrega de medicamentos, tudo isso depende da licitação de contratos administrativos. Na verdade, toda a máquina estatal vive com base nessa lei. Então o próprio cidadão, usuário, já estava sendo prejudicado com uma lei defasada, retalhada, com uma prudência administrativa e judicial já muito conflituosa. Então tudo isso não ajudava. Para dar um exemplo concreto, nós sabemos que, em tese, as regras eram as mesmas tanto para construirmos uma hidrelétrica quanto para construirmos um conjunto habitacional. Então nós sabemos que a lei de fato ficou ultrapassada e ela será substituída ao longo dos próximos dois anos pela nova legislação.
A Lei 8.666 costumava ser vista como um entrave à corrupção e ao uso ineficiente das verbas públicas? Essa imagem corresponde à realidade? A nova lei foi suficientemente debatida para que se chegasse a um texto que mantenha os recursos públicos a salvo de desperdícios e malversação?
Nós percebemos ao longo dos últimos anos que a Lei 8.666 não conseguiu atender a esse objetivo. Nós acompanhamos com muita tristeza, ao longo dos últimos anos, escândalos e mais escândalos de desvios, de corrupção, de maus feitos no âmbito das licitações, e especialmente dentro dos contratos administrativos. Então de fato a Lei 8.666 não foi suficiente. A rigor, nenhuma lei consegue, por mais rigorosa que seja, impedir totalmente [esses problemas]. O que nós temos de fazer é a formação de servidores, é punir exemplarmente os desvios, para não permitir que ocorram novos. A nova lei é muito mais transparente que a 8.666. Ela adota alguns mecanismos, como o Portal Nacional de Contratações, que deixa de maneira translúcida e cristalina toda contratação de serviço, obra e fornecimento de qualquer município do Brasil, além dos estados e da União, de maneira muito objetiva. Então o acompanhamento vai ser feito com muito mais facilidade. E a adoção também de procedimentos mais abertos, que a lei permite, vai permitir um acompanhamento pela sociedade de maneira mais efetiva.
Quais são as principais novidades dessa nova lei?
São várias, em uma lei que tem 190 artigos, mas eu queria mencionar algumas. A que eu acho mais importante é adoção no Brasil, pela primeira vez, da figura do seguro-garantia, permitindo que a administração pública, nas grandes obras, contrate uma empresa de seguros, para que, na hipótese de aquela empresa construtora ter algum problema na sua vida empresarial — uma falência, uma quebra, algum problema superveniente, algum problema ambiental — a obra não fique inacabada. Nós sabemos que, em termos de obras inacabadas, o Brasil virou cemitério. Muitos recursos foram alocados, há um desperdício imenso de dinheiro em obras inacabadas. E por isso é importante nós termos esse sistema de seguro-garantia, que é um modelo norte-americano, que está sendo adotado agora no Brasil. Mas, para além disso, nós temos uma coisa muito importante que é permitir a chamada inversão das fases: a fase da habilitação, que é uma fase complexa, muito demorada, onde os documentos dos licitantes são estudados, fica tão somente para o licitante vencedor. Isso permite uma imensa economia de tempo, de recursos e de despesas para o processo licitatório. Queria citar também a criação de uma nova modalidade, o chamado diálogo competitivo. Muitas vezes o poder público tem dificuldade para comprar uma nova tecnologia, algo inovador em termos de tecnologia, de aquisição tecnológica mais recente, porque a própria administração não consegue definir qual é o perfil daquela compra. Por esse método, de diálogo competitivo, as empresas e os especialistas são chamados, e é um processo novo, que permite de maneira muito transparente que a administração pública consiga comprar o que há de mais moderno e mais adequado para a solução daquele problema. Quero citar também, como um grande avanço, a determinação de que haja uma fase prévia de planejamento. Aliás, um planejamento anual, para que todo órgão público saiba o que vai comprar, para que não compre com pressa, para que não compre de modo açodado, para que não desperdice recursos. Essa fase de planejamento é muito importante. E, por fim, quero citar a criação desse Portal Nacional de Contratações, que é uma grande inovação, que vai permitir de fato que tenhamos conhecimento pleno, em todas as contratações feitas no Brasil, quer dos pequenos municípios, dos estados e da União Federal, sobre a identificação de quem é o contratado, quais os valores colocados, qual é de fato a dimensão para aquela determinada contratação, de maneira muito transparente e imediata, praticamente on-line. Houve a decisão do legislador, também, de retirar a matéria penal da lei esparsa, que era a Lei 8.666, e consolidá-la, tornando-a mais grave, mais rígida, numa nova legislação, colocando então no Código Penal. Então a nova lei aprova um capítulo que vai ser inserido no Código Penal tratando exatamente dos crimes que podem ocorrer — e Deus queira que não ocorram, mas, se ocorrerem, estarão ali previstos — contra licitações e contratos administrativos.
A 8.666 ainda poderá ser usada por algum tempo? Em quanto tempo a nova lei será regulamentada e passará a ser usada plenamente?
Há uma fase de transição prevista de dois anos, durante a qual a Lei 8.666 continua válida. Mas as novas licitações já podem se valer da nova legislação, que entra em vigência com a sanção do presidente da República. É uma fase natural de, vamos dizer assim, transição entre as duas leis. Mas eu acho que a sua regulamentação virá rapidamente, porque é uma lei tão inovadora e tão necessária para modernizar o Brasil que há interesse do Poder Executivo nos três níveis de implementá-la o mais rápido possível.