COP30: MPF defende criação de marco legal para responsabilizar empresas por violação de direitos humanos

Objetivo é avançar na criação de instrumentos obrigatórios para prevenir, conter e reparar esse tipo de violação na atividade empresarial

Foto: Antonio Cruz/Agência Brasil

O Ministério Público Federal (MPF) tem desempenhado papel central no acompanhamento de políticas públicas e normas voltadas à responsabilização empresarial por violações de direitos humanos. Essa atuação é coordenada pela Comissão de Direitos Humanos e Empresas da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC).
Com a proximidade da 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP30), que será realizada no próximo mês em Belém (PA), o debate sobre empresas, direitos humanos e sustentabilidade ganha relevância especial, colocando em pauta a necessidade de um desenvolvimento justo, com respeito aos princípios da dignidade humana, e ambientalmente responsável.

“Proteger direitos e oferecer segurança jurídica não são caminhos opostos — são dimensões complementares de um mesmo esforço civilizatório. Nenhuma atividade econômica deve prosperar à custa de direitos fundamentais”, afirma o procurador federal dos Direitos do Cidadão, Nicolao Dino.

A comissão da PFDC foi criada em 2016 a partir de uma demanda da sociedade civil. O contexto era marcado pelo rompimento da barragem de Fundão (Mariana/MG) – decorrente da extração de minério de ferro pela empresa Samarco Mineração SA – e pelas violações socioambientais associadas à instalação da usina hidrelétrica de Belo Monte (PA), operação controlada pelo consórcio Norte Energia.

Usina hidrelétrica de Belo Monte (PA). Foto: Joédson Alves/Agência Brasil
Usina hidrelétrica de Belo Monte (PA). Foto: Joédson Alves/Agência Brasil

O objetivo inicial era monitorar a incorporação dos Princípios Orientadores das Nações Unidas sobre Empresas e Direitos Humanos no Brasil, buscando garantir que eventuais mudanças normativas não representassem retrocessos na proteção socioambiental.

Com o passar dos anos, a estrutura foi fortalecida. O grupo de trabalho foi transformado em comissão, que permanece ativa com a mesma missão de atuar em casos relacionados a impactos da atividade empresarial sobre os direitos fundamentais.

Composta por sete procuradores do MPF, a comissão atua no fortalecimento de políticas públicas relacionadas ao tema e apoia procuradores e procuradoras na responsabilização de empresas por violações de direitos humanos. Também trabalha na difusão do conhecimento sobre a temática no sistema de justiça, no poder público, no setor privado e na sociedade civil.

Essa atuação se dá por meio de produção de material técnico sobre o assunto, emissão de notas públicas, realização de audiências e articulação com órgãos públicos e entidades da sociedade civil.

“O objetivo é avançar na criação de instrumentos normativos vinculantes, capazes de assegurar que as empresas cumpram suas responsabilidades em matéria de direitos humanos, garantindo também segurança jurídica para o setor produtivo”, explica Thales Coelho, procurador da República que coordena o trabalho da comissão.

Marco normativo para empresas

Box sobre a Devida Diligência em Direitos Humanos (DDDH)Entre as iniciativas acompanhadas pela equipe está o Projeto de Lei 572/2022, que institui o marco normativo nacional sobre empresas e direitos humanos. A proposta, em tramitação na Câmara dos Deputados, busca estabelecer obrigações jurídicas claras para prevenir, conter e reparar violações, incorporando a devida diligência (veja o box) como dever legal e não apenas compromisso voluntário.  A legislação prevê, ainda, mecanismos de responsabilização empresarial e fortalecimento do acesso à justiça para as vítimas.

Sobre esse assunto, a comissão emitiu, em março deste ano, uma nota técnica em que defende o projeto de lei. De acordo com o documento, há um vácuo regulatório sobre o tema no país, situação que permite que as empresas atuem sem diretrizes claras. A falta de regulação resulta em casos de desrespeito a direitos trabalhistas, impactos socioambientais negativos e violação dos direitos de comunidades vulneráveis. O problema pode ser resolvido ou mitigado com a aprovação da norma. Para Thales Coelho, a aprovação do projeto é estratégica.

“O PL 572/2022 traz avanços significativos tanto para a proteção de direitos fundamentais quanto para a previsibilidade das relações econômicas. O Brasil não pode mais depender apenas de mecanismos voluntários, que se mostraram insuficientes para prevenir tragédias como as que já vivenciamos”, afirma o coordenador da comissão da PFDC.

A nota técnica destaca que o projeto de lei foi construído de forma participativa, com amplas escutas populares e envolvimento direto de vítimas e atingidos por violações empresariais. A proposta legislativa consolida obrigações diretas às empresas e prevê responsabilidades claras para o setor empresarial, além de direitos para pessoas e grupos afetados por suas atividades.

“O projeto cria um arcabouço regulatório seguro, tanto para as empresas, que terão maior previsibilidade em suas operações, quanto para comunidades afetadas, que contarão com instrumentos mais eficazes de acesso à justiça e reparação integral”, reforça Thales Coelho.

Mecanismos de reparação às vítimas e à sociedade

O posicionamento favorável da PFDC ao marco regulatório nacional foi consolidado após audiência pública promovida pelo MPF em agosto de 2024. Com o objetivo de fomentar o debate sobre o projeto de lei, a comissão reuniu representantes de órgãos públicos, do setor empresarial e da sociedade civil, além de acadêmicos.

Audiência públicaOutro aspecto fundamental do projeto é a obrigação da reparação integral dos danos causados por empresas que violem direitos humanos. As ações de reparação e a responsabilização devem considerar critérios como a gravidade, o nível de lesão gerado e os efeitos produzidos direta ou indiretamente, com obrigações jurídicas concretas à empresa.

Ao mesmo tempo, o PL reconhece a centralidade das vítimas nos processos de reparação, estabelecendo mecanismos para garantir aos afetados o protagonismo e a participação na formulação das respostas às violações sofridas. Um desses mecanismos é a criação de um fundo específico, a ser gerido pelas comunidades atingidas até a consolidação do processo de reparação.

Alinhamento às diretrizes internacionais

A aprovação do PL 572/2022 ainda pode fortalecer a posição do Brasil perante o Sistema Interamericano de Direitos Humanos, evitando futuras condenações na esfera internacional. Isso porque a Corte Interamericana de Direitos Humanos reconhece como dever dos Estados a prevenção de violações de direitos fundamentais no contexto das atividades empresariais. Isso deve ser feito com a adoção de medidas de caráter jurídico, político, administrativo e cultural para garantir que os abusos sejam tratados como ilícitos.

IV Consulta Regional sobre Empresas e Direitos Humanos para a América Latina e o Caribe, realizada em 2019
IV Consulta Regional sobre Empresas e Direitos Humanos para a América Latina e o Caribe, realizada em 2019

O enfrentamento das violações corporativas exige mais do que compromissos retóricos: é preciso consolidar obrigações jurídicas eficazes e justas.O PL 572/2022 representa esse passo adiante — necessário, possível e compatível com um modelo de desenvolvimento sustentável, em que dignidade e responsabilidade caminham lado a lado”, pondera o procurador federal dos Direitos do Cidadão, Nicolao Dino.

Além do acompanhamento legislativo, a comissão atua em temas como violações de direitos humanos em cadeias produtivas de grandes corporações, impactos de grandes empreendimentos e colaboração empresarial com regimes autoritários (justiça de transição corporativa).

Outros assuntos tratados pelo grupo são os riscos emergentes ligados a novas tecnologias, financiamento de abusos corporativos e práticas de socialwashing (que é o marketing social sem estar associado a um compromisso real da empresa com essas causas). A comissão também monitora a implementação da Política Nacional de Direitos Humanos e Empresas, bem como as negociações internacionais para um tratado global sobre o tema.

Contagem Regressiva

Até o dia 9 de novembro, véspera do início da 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP30), em Belém, no Pará, serão publicadas 50 matérias sobre a atuação do Ministério Público Federal na proteção do meio ambiente, das populações mais vulneráveis e dos direitos humanos. A ação de comunicação faz parte da campanha MPF: Guardião do Futuro, Protetor de Direitos.

Acompanhe a contagem regressiva diariamente, no nosso site!

Acesse o site MPF na COP30

*Reportagem: Comunicação/MPF/PGR

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